- Confesso, avô, que não sei se percebi bem.
- Repararás que desde que nasceste tens vindo a confrontar-te com a ambivalência de querer e não querer, como os pratos de uma balança que oscilam numa tentativa permanente de conseguir o equilíbrio. O que temos feito aqui é aprender-a-pensar, que estudarás qualquer dia em “Filosofia para crianças”. Diz-me lá: o que é que distingue um acto moral dum acto não moral, ou seja, qual é o critério que define moralidade? Para Emmanuel Kant (1724-1804), por exemplo, o critério de moralidade baseia-se na possibilidade de um acto poder tornar-se universal, isto é, poder ser praticado por toda a gente. Se tu num jardim cheio de flores não resistires à tentação de colher uma flor para levares à tua mãe, pergunto-te, isso é moral ou não moral, o que achas?
- Isso é um pouco complicado, avô, porque se há muitas flores não tem mal apanhar uma única, ainda por cima se ninguém me vir.
- O que tu dizes é só parte da verdade, não a verdade toda.
Mas estás de acordo que para definirmos se é ou não moral, não interessa se há milhares de flores e muito menos se há ou não alguém a observar-te. Um acto ser ou não ser moral depende apenas de ti, de seres capaz de pesar entre dois opostos, tirar ou não uma flor, e decidires tu próprio.
- Ora bem, se eu aceitar a opinião de Kant é claro que não posso tirar uma flor. Porque se toda a gente o fizesse, estaria errado.
- É isso mesmo, toda a vida se decide entre opostos. E fica já a saber que a filosofia9 que se centra no confronto entre opostos, a Dialéctica, começou na Grécia com Platão e Aristóteles e teve o apogeu no filósofo alemão Hegel.
A dialéctica entre tentares fazer tudo para vencer e a tentação de te aninhares na nostalgia e quietude do passado pauta a tua vida como a de todos nós. Sempre que isso acontecer terás o espaço de liberdade de te projectares, desassombradamente, no futuro e ganhares ou, pelo contrário, ficares à espera de Godot ...
Ainda esta manhã acordei a pensar na conversa que tive com o meu neto. É espantoso a quantidade de potencialidades que temos. E só depende de nós escolher a agulhagem do bem, da vida e vivermos ou, pelo contrário, não escolher. Sabendo, porém, como Jean-Paul Sartre (1905-1980) ainda hoje nos ensina, que “não escolher é igualmente uma escolha, a de não escolher”.
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