Bem-vindos


a este vosso novo Blog, tratem-no bem ou mal conforme merecer, mas por favor reajam, participem. Iniciá-lo-emos com a publicação de excertos de um manuscrito original já publicado na Zéfiro editora:

MEMÓRIAS DE UM PSICANALISTA
José Carlos DIAS CORDEIRO


Deixe-me dizer-lhe o que alguém me confidenciou:

... eu tenho tudo na vida mas falta-me a alegria e a paixão de viver.


que pedras terei de mover no tabuleiro do meu dia-a-dia para conseguir surpreender-me de novo, reconciliar-me comigo, com os outros e viver?


Esta é uma questão que o leitor aprenderá a responder. E fá-lo-á com a ajuda de um jovem fascinado pela vida e de seu avô, um psicanalista interessado em escutar palavras, silêncios, dúvidas que todos temos.

Este livro vive de duas experiências:

  • as memórias de um psicanalista

  • a volúpia, única, de pessoas como você conseguirem resgatar-se do fundo de si mesmas e renascerem para a VIDA.

15 junho 2009

9. Paridos pelo pecado original?



"Madame Butterfly" de Puccini (Maria Callas)

Todos nós, e a leitora também, somos fortemente marcados pelos laços culturais, pelo afecto que nos nutre. Tendemos, porém, a continuar assombrados pela herança do pior que o cristianismo nos legou – pecado e penitência, crime e castigo por alegados mostrengos, demónios, deuses retaliadores. Tudo parido pelo pecado original.
Mas não tem alternativa, minha cara leitora, terá que jogar fora as roupagens ensimesmadas que ao longo da vida lhe colaram à pele. E pode crer que para merecer a vida que recebeu, tem de compreender por que se envergonha, ainda, das pepitas de ouro que tem vindo a descobrir em si.

- Confesso, avô, que não sei se percebi bem.

- Repararás que desde que nasceste tens vindo a confrontar-te com a ambivalência de querer e não querer, como os pratos de uma balança que oscilam numa tentativa permanente de conseguir o equilíbrio. O que temos feito aqui é aprender-a-pensar, que estudarás qualquer dia em “Filosofia para crianças”. Diz-me lá: o que é que distingue um acto moral dum acto não moral, ou seja, qual é o critério que define moralidade? Para Emmanuel Kant (1724-1804), por exemplo, o critério de moralidade baseia-se na possibilidade de um acto poder tornar-se universal, isto é, poder ser praticado por toda a gente. Se tu num jardim cheio de flores não resistires à tentação de colher uma flor para levares à tua mãe, pergunto-te, isso é moral ou não moral, o que achas?

- Isso é um pouco complicado, avô, porque se há muitas flores não tem mal apanhar uma única, ainda por cima se ninguém me vir.

- O que tu dizes é só parte da verdade, não a verdade toda.
Mas estás de acordo que para definirmos se é ou não moral, não interessa se há milhares de flores e muito menos se há ou não alguém a observar-te. Um acto ser ou não ser moral depende apenas de ti, de seres capaz de pesar entre dois opostos, tirar ou não uma flor, e decidires tu próprio.

- Ora bem, se eu aceitar a opinião de Kant é claro que não posso tirar uma flor. Porque se toda a gente o fizesse, estaria errado.

- É isso mesmo, toda a vida se decide entre opostos. E fica já a saber que a filosofia9 que se centra no confronto entre opostos, a Dialéctica, começou na Grécia com Platão e Aristóteles e teve o apogeu no filósofo alemão Hegel.

A dialéctica entre tentares fazer tudo para vencer e a tentação de te aninhares na nostalgia e quietude do passado pauta a tua vida como a de todos nós. Sempre que isso acontecer terás o espaço de liberdade de te projectares, desassombradamente, no futuro e ganhares ou, pelo contrário, ficares à espera de Godot ...

Ainda esta manhã acordei a pensar na conversa que tive com o meu neto. É espantoso a quantidade de potencialidades que temos. E só depende de nós escolher a agulhagem do bem, da vida e vivermos ou, pelo contrário, não escolher. Sabendo, porém, como Jean-Paul Sartre (1905-1980) ainda hoje nos ensina, que “não escolher é igualmente uma escolha, a de não escolher”.



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