Era uma vez um rapaz e uma rapariga um pouco mais velhos do que tu que namoravam com muita força, com muita pressa, mas que eram horrivelmente ciumentos um do outro, Beatriz e Alberto de seus nomes. Um dia a Beatriz, meio envergonhada, veio chorar no meu ombro porque o namorado não a deixava em paz, estava constantemente a ir ao seu correio electrónico, ao telemóvel, à pasta, à procura de segredos.
É altura para te perguntar, primeiro, o que o Alberto faz, é bonito ou feio?
- Bem, lá estás tu outra vez com aquela história da flor e de Kant considerar moral apenas o comportamento que pode ser universalizado, feito por toda a gente. E o que conseguiste, avô, foi eu não levar a flor à minha mãe. Foi uma bela partida que me pregaste mas aprendi de uma vez por todas o que também já aprendi com a professora de Filosofia para crianças, que é o mito da caverna, de Platão, ou as sombras chinesas, as sombras que conseguimos projectar, com a mão, numa parede como se fosse por exemplo a cabeça de uma avestruz a abrir e a fechar o bico. Todos na classe dissemos sem hesitação que era a cabeça de uma avestruz, e afinal era a professora que dobrava a mão à frente de uma lâmpada e divertia-se a afastar os dedos estendidos... Ficámos todos envergonhados com a nossa certeza, mas a partir dessa altura, quando eu vejo, ouço, cheiro qualquer coisa, sei que o que eu sinto é apenas uma sombra, a parte que se vê do iceberg.
- Podemos voltar agora à Beatriz e ao Alberto. O que é que tu achas?
- Com franqueza, avô, por favor não ofendas a minha inteligência...
É claro que é muito feio o Alberto ir às escondidas tentar saber se a Beatriz tinha outro namorado. Ele é o único responsável pelo que faz. Não sei como é que a Beatriz suporta isso.
- Suporta pessimamente.
O que acontece é que a Beatriz é uma linda rapariga, amorosa, gosta mesmo muito do Alberto, só que está numa idade em que adora abonecar-se e quando passa na rua delicia-se a reparar no olhar dos rapazes.
E então, não é normal? Não é bom ver uma rapariga ou um rapaz bonitos, era só o que faltava! E se não são bonitos, tão bonitos como gostariam, só têm uma hipótese. Descobrir e tirar partido do que têm... Imagina que eu já tenho visto rapazes e raparigas que, se olharmos bem, não têm gracinha nenhuma. Ou é a boca pequena ou grande demais, com o peito é a mesma coisa, enfim não há paciência. Mas o que é engraçado é que há pessoas que
podem não dever nada à Natureza mas que encontram o seu tipo certo.
- Não me digas, avô, que é como aquela expressão “mais vale cair em graça do que ser engraçado”... E se calhar a Beatriz é mesmo uma gracinha.
- Ora bem, é por essas e por outras que o Alberto faz aquelas tristes figuras. É claro que é feio espiar o telemóvel ou a pasta da namorada, mas se calhar ele não é santo e é ela talvez que lhe cria macaquinhos no sótão e o deixa completamente desassossegado. Apesar de não ter dúvida que a Beatriz gosta muito dele.
- Ena, avô, deste uma cambalhota completa ao caso.
- Pois, mas mais uma vez deixaste o pensamento dialéctico de que já falámos no bolso, em vez de o teres sempre a jeito.
- Já agora gostava de saber como é que a história acabou.
- Como se diz na minha terra: “a falar é que a gente se entende”. E foi conversando com os dois que eles puderam compreender que nem a Beatriz era uma vaidosa nem o Alberto era tão ciumento como parecia. Eles estavam era, e continuam, perdidinhos um pelo outro. - Não há nada como um fim cor-de-rosa ou, tout est bien qui finit bien.
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