Bem-vindos


a este vosso novo Blog, tratem-no bem ou mal conforme merecer, mas por favor reajam, participem. Iniciá-lo-emos com a publicação de excertos de um manuscrito original já publicado na Zéfiro editora:

MEMÓRIAS DE UM PSICANALISTA
José Carlos DIAS CORDEIRO


Deixe-me dizer-lhe o que alguém me confidenciou:

... eu tenho tudo na vida mas falta-me a alegria e a paixão de viver.


que pedras terei de mover no tabuleiro do meu dia-a-dia para conseguir surpreender-me de novo, reconciliar-me comigo, com os outros e viver?


Esta é uma questão que o leitor aprenderá a responder. E fá-lo-á com a ajuda de um jovem fascinado pela vida e de seu avô, um psicanalista interessado em escutar palavras, silêncios, dúvidas que todos temos.

Este livro vive de duas experiências:

  • as memórias de um psicanalista

  • a volúpia, única, de pessoas como você conseguirem resgatar-se do fundo de si mesmas e renascerem para a VIDA.

27 agosto 2009

36. Celebrar a vida





"Concerto para piano nº2" de Rachmaninoff

Só exercendo, positivamente, a agressividade humana, temperando-a, sempre, com a tolerância e o amor do instinto de vida, poderá o leitor conquistar o direito à diferença da sua individualidade pessoal, à maturidade da sua identidade.
Partilhar com os outros a experiência, única, de viver, infinitamente, a finitude de cada momento, na beleza e na paz da Volúpia dos Dias, é o segredo que pode ajudá-la a desvendar os mistérios insondáveis da Vida. Só partilhando poderá aspirar ao Belo e à dignidade e orgulho de viver em Ética. E só assim poderá, algum dia, por que não hoje? , aspirar e merecer Viver Feliz.
De facto, à partida, nada, mas absolutamente nada, está definitivamente escrito. E a mais sublime aventura de viver consiste em ter de escrever, como numa folha em branco, o dia-a-dia da vida que tem a liberdade de escolher. Como os navegantes portugueses,

dia a dia, Navegavam sem o mapa que faziam
(Sophia de Mello Breyner).

Ou, como jamais se cansará de nos repetir David Mourão-Ferreira: “Na vida ou se resiste ou se desiste”.
Cabe-lhe a si escolher entre vergar-se a um destino infeliz, desistindo de viver, ou, pelo contrário, resistir, erguer-se contra todas as crendices que povoam o seu imaginário. Desafiando deuses e monstrengos da bruma das suas memórias e do seu inconsciente individual e colectivo. Apenas poderá amar e ser amada se conquistar, palmo-a-palmo, afirmativamente, o seu território e espaço pessoal. Opondo-se ao fascínio e nostalgia de regressar ao calor e humidade, outrora geradores de vida, do útero que a protegeu, à terra que a criou.
De facto, nada está, definitivamente, predeterminado. Tem o espaço de liberdade de escolher reconciliar-se, ou não, consigo, com os outros, com a vida.

- Ouvi tudo o que me disseste, avô, mas não chego a perceber se afinal de contas somos livres de escolher a nossa vida ou predeterminados por uma espécie de destino.

- Talvez as coisas se tornem mais simples se introduzires a palavra tendencialmente: os homens são tendencialmente livres ou tendencialmente predeterminados? E se, por outro lado, aceitares que há conceitos-limite a que só se chegará quando houver um grande avanço do pensamento humano. Isto para te dizer que livre arbítrio é um conceito-limite a que chegaremos quando dependermos cada vez menos de superstições, crendices e da alegada tirania dos genes. O programa genético é uma espécie de partitura que cada pessoa interpretará à sua maneira, ímpar e pessoal, como acontece na música. Por mais estranho que pareça, cada músico tem a sua sensibilidade. Se vários músicos com instrumentos como a voz, o piano, o violoncelo, por exemplo, executarem uma partitura, repararás que cada um deles tirará do instrumento uma sonoridade só sua, diferente dos outros. Por outras palavras, cada pessoa tem capacidades próprias inscritas nos seus genes. Mas o que estes contêm é apenas uma potencialidade, uma partitura pronta a ser interpretada, a ser vivida em liberdade. A carga genética não é o único factor determinante do futuro, e é da interacção desta carga genética com outros factores que a partitura será interpretada e resultará o percurso de cada um.

- Agora percebo melhor o que me disseste sobre iliteracia, das pessoas ouvirem e lerem correctamente, mas não perceberem nada do que leram. E percebo também as dificuldades que por vezes tenho em perceber as coisas, apesar de não ser analfabeto, nem iletrado, e muito menos doente com uma espécie de dislexia em que trocasse tudo. Será que é isto, avô, que tu queres dizer quando falas em aprender-a-pensar, em “Filosofia para crianças”?

- Verás que sim. Nada se faz se não aprendermos a pensar, e nada aprenderemos se não o fizermos como uma brincadeira, um jogo, como o prazer que temos aqui ao aprendermos em conjunto. Quando nasceste, trazias já todas as tuas capacidades, mas estas estavam como que adormecidas em ti. Ou seja, antes de seres, de existires, já o eras, potencialmente. Mas foi a magia da voz, do calor, das mãos, do sabor e cheiro da tua mãe, que despertou a bela-adormecida que trazias em ti. E tu passaste a falar, a andar, pensar, a gostar de amar e ser amado. Como, também, foi o amor de uma mulher que libertou o holandês errante da maldição de, para todo o sempre, estar condenado a aproar ao mar o Navio Fantasma sem esperança de algum dia poder ficar em paz em terra firme.

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